Qualquer pessoa que tenha noites maldormidas por períodos prolongados pode experimentar irritabilidade, fadiga, queda de concentração, aumento de peso e doenças cardíacas, além de correr o risco de desenvolver quadros depressivos. E quem não passa por fases insones vivendo em metrópoles com um ritmo alucinante de trabalho e opções intermináveis de entretenimento?
Um estudo epidemiológico dos distúrbios do sono, que está sendo concluído pelo Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que 13,2% dos paulistanos sofrem da sindrome da insônia. Pelos critérios internacionais, a insônia vira sindrome quando o sujeito apresenta queixas de dormir puco e mal; a duração das crises é de mais de um mês; e há consequências diretas no dia a dia do paciente. Os que apenas se queixam de insônia chegam a 37,6% dos moradores da cidade. Os dados revelam ainda que as mulheres são mais atingidas pela sindrome.
A insônia costuma ser mais sintoma do que doença - embora em 35% dos casos seja considerada primária, provocada por uma resposta anormal do cérebro ao stress, deixando as áreas relacionadas à vigilia mais ativadas. Quando é secundária, além de ser uma decorrência comum de outros distúrbios do sono, como a apnéia, a insônia é frequentemente associada à depressão. "Quem vem se tratar está muito aflito e geralmente condicionado a vários medicamentos", relata Anna Karla Smith, médica do sono.
Para ela, o fator determinante do tratamento da insônia crônica é a psicoterapia, para se tentar diminuir a necessidade de remédios e, em último estágio, para que o paciente reaprenda a dormir. "Quando crianças, dormimos mais, pois o sono é o momento de processamento das memórias", explica. "Na adolescência e na maturidade, criamos hábitos que nos mantêm longe da cama. E a cobrança do insone, de que ele precisa dormir de qualquer jeito, acaba tendo o efeito contrário".
NECESSIDADES
Carência de sono varia dependendo da pessoa.
Nem todos precisam de 8 horas de sono para se sentir revigorados. Os pequenos dormidores, cerca de 2% das pessoas, carecem apenas de 5 a 6 horas. E os grandes dormidores, outros 2%, de 10 a 11. "O importante é que, ao acordar, você cante com os passarinhos, de tão bem dispotso", brinca Monica Andersen, professora de Medicina e Biologia do Sono da Unifesp.
Se a quantidade de sono pode variar, a qualidade tem de ser garantida, porque uma série de processos neurológicos e hormonais acontece quando adormecemos. No primeiro estágio do sono, entre 22 e 2 horas, o hormônio do crescimento é liberado. "Por isso, mesmo com toda a resistência, os adolescentes deveriam dormir mais cedo", diz Monica.
É durante o sono também que o corpo regula o cortisol, hormônio do stress. Perto da hora de dormir, ele deve estar o mais baixo possível, porque, naturalmente, seu nível vai se elevar conforme a manhã se aproxima. "Não à toa, quando temos um compromisso importante no dia seguinte ficamos com o sono fragmentado. É o cortisol agindo".
A pesquisadora explica que a ciência ainda não detecou o "botão liga-e-desliga" do corpo humano, "senão curaríamos a insônia". Mas alerta que, quando vai chegando a hora de deitar, a temperatura do nosso corpo cai e, reagindo à escuridão, a melatonina, hormônio indutor do sono, é produzida. "Isso numa sociedade que respeita o ciclo claro-escuro, o que a nossa não tem feito. A dica é jantar à luz de velas e assistir à TV na penumbra", sugere a professora.
Medidas extremas
Mas, afinal, a insônia pode se tornar tão crítica a ponto de levar à morte? Excluindo-se a overdose de medicamentos, que obviamente pode ser fatal, a privação do sono só é comprovadamente letal em animais. Um experimento de pesquisadores americanos com ratos, em 1983, em que as cobaias foram privadas totalmente do sono por 10 dias, mostrou que sim, falta de sono mata.
Claro que essa é uma experiência que ninguém está disposto a repetir ou a fazer em humanos - a não ser em situações de tortura. O que se sabe é que pessoas que não dormem direito há vários dias podem apresentar dores musculares, visão embaçada e discurso confuso. O ritmo dos batimentos cardíacos aumenta e a memória raleia. Os níveis de cortisol, hormônio relacionado ao stress, disparam. São esses os efeitos que podem levar a uma automedicação desesperada e ao sono eterno.
A alternativa é procurar ajuda profissional e tratamentos. "Com os remédios mais modernos, as terapias auxiliares e algumas mudanças de hábitos é possível dar ao insone uma qualidade de vida", afirma a neurologista Anna Karla.
fonte: Jornal "Gazeta do Povo", Curitiba - 07/09/09
Nenhum comentário:
Postar um comentário